Monday, August 29, 2005
Religião, limites da ciência, testemunhas de Jeová
Há dias bateram à porta de casa duas testemunhas de Jeová. Não estava cá mais ninguém e eu fui abrir.
Para começar, acho piada ao facto de elas nunca dizerem o que são. Não dizem: "Olá, nós somos testemunhas de Jeová!" Chegam e vão falando apenas. Também nunca parecem querer nada. Vão falando apenas... talvez só queiram mesmo uma conversa. Talvez não estejam preparadas para alguém que não lhes fecha a porta na cara e não saibam depois bem o que fazer.
Eu, como não tinha muito que fazer, fiquei a conversar.
Começaram por ir descrevendo apocalipticamente o mundo actual e depois surgiu a pergunta inevitável: "Acredita em Deus?". Respondi peremptoriamente: "Não". Aí entrou outra cassete, mecanismo accionado pelo olhar, que por momentos se voltou para o lado, e pelo "Ah!" das duas. A partir daí pensei como seria na Idade Média, em que uma pessoa como eu poderia sair dali directamente para um tribunal inquisidor; como alguém com um espírito minimamente crítico teria de se submeter à doutrina mais reles. Mas hoje em dia os papéis estão já invertidos e felizmente não me tentaram queimar.
Uma das senhoras tinha o cabelo branco, mais velha, e usava argumentos que pendiam para o emocional. Lia e dava-me a ler excertos da Bíblia e dizia: "Isto foi escrito há 5000 anos! Como é que eles podiam saber isto, hein?", "A Bíblia é um livro maravilhoso; não há dia que me deite sem a ler", "Jesus foi o homem mais fantástico que pisou a Terra!!". Para ela, a grande prova dos poderes fantásticos de Jesus e, consequentemente, da sua ascendência divina era um relato de um historiador romano ("Um homem das ciências como o senhor!") que confirmava a reincarnação de três homens por Jesus.
A outra mulher era mais nova, talvez trinta e tais anos. Óculos de massa preta. Olhar arguto e perspicaz, atenta a todos os movimentos e falas do seu adversário, pronta a disparar qualquer prova irrefutável sobre a falsidade de teorias científicas. Escolheu como alvo a teoria evolucionista (escolha infeliz). Mostrou-me um livro com algumas passagens de cientistas famosos em que os próprios supostamente afirmavam ter dúvidas sobre a evolução. Essas passagens afirmavam apenas a existência de poucos fósseis e o recurso à imaginação dos artistas que desenhavam os "homens-macaco". Tentei dizer-lhe que isso não refutava o evolucionismo.
Mostraram como a Bíblia profetizava também coisas para a nossa época. Eu continuava sempre a ouvi-las e ia defendendo-me. Deixei-as ficar o tempo que quisessem, para ver se se iam embora de livre vontade. E foram. Mas, a mais nova prometeu voltar com um livro especificamente sobre a origem da vida e o evolucionismo.
Entretanto já voltou e deixou-me o livro sem compromissos. Não acrescentou mais nada à conversa. Não era preciso. Para ela aquele livro é a arma secreta e mortal capaz de tirar as dúvidas a qualquer descrente, capaz mesmo de o converter. Disse só que voltava.
Pois é. Estas duas senhoras até estavam bem preparadas. Mas sobre ciência foram infelizes, pois nem uma única vez conseguiram ir realmente aos limites, aos mui frágeis alicerces da ciência. Não me perguntaram qual era a origem da vida, não me perguntaram o que havia antes do big-bang, não me perguntaram porque é que as leis físicas são como são e porque é que existem...etc, etc. O conhecimento científico é mesmo uma coisinha pequenina. O mais fácil é pôr perguntas às quais ele não responde. Mas é super valioso, pois as respostas que dá são as melhores que a humanidade alguma vez deu.
E o que aquelas senhoras não devem saber ou não conseguem compreender é que há pessoas a quem basta esse minúsculo tesouro para viverem felizes, sem qualquer angústia existencial, sem qualquer necessidade de ir a outro lado buscar "respostas". Pessoas perfeitamente satisfeitas por saberem que o sentido da vida é ela não ter sentido nenhum, que se sentem confortáveis apenas com as leis das probabilidades e acaso. Se isto tudo tivesse sentido era horrível, pois uma qualquer ideia é sempre discutível e passível de desacordo. Assim, postos aqui "porque sim", nós todos poderíamos estar de acordo, sem haver, nesse campo, motivo para violentas discussões. É a "decisão" mais inteligente.
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Há dias bateram à porta de casa duas testemunhas de Jeová. Não estava cá mais ninguém e eu fui abrir.
Para começar, acho piada ao facto de elas nunca dizerem o que são. Não dizem: "Olá, nós somos testemunhas de Jeová!" Chegam e vão falando apenas. Também nunca parecem querer nada. Vão falando apenas... talvez só queiram mesmo uma conversa. Talvez não estejam preparadas para alguém que não lhes fecha a porta na cara e não saibam depois bem o que fazer.
Eu, como não tinha muito que fazer, fiquei a conversar.
Começaram por ir descrevendo apocalipticamente o mundo actual e depois surgiu a pergunta inevitável: "Acredita em Deus?". Respondi peremptoriamente: "Não". Aí entrou outra cassete, mecanismo accionado pelo olhar, que por momentos se voltou para o lado, e pelo "Ah!" das duas. A partir daí pensei como seria na Idade Média, em que uma pessoa como eu poderia sair dali directamente para um tribunal inquisidor; como alguém com um espírito minimamente crítico teria de se submeter à doutrina mais reles. Mas hoje em dia os papéis estão já invertidos e felizmente não me tentaram queimar.
Uma das senhoras tinha o cabelo branco, mais velha, e usava argumentos que pendiam para o emocional. Lia e dava-me a ler excertos da Bíblia e dizia: "Isto foi escrito há 5000 anos! Como é que eles podiam saber isto, hein?", "A Bíblia é um livro maravilhoso; não há dia que me deite sem a ler", "Jesus foi o homem mais fantástico que pisou a Terra!!". Para ela, a grande prova dos poderes fantásticos de Jesus e, consequentemente, da sua ascendência divina era um relato de um historiador romano ("Um homem das ciências como o senhor!") que confirmava a reincarnação de três homens por Jesus.
A outra mulher era mais nova, talvez trinta e tais anos. Óculos de massa preta. Olhar arguto e perspicaz, atenta a todos os movimentos e falas do seu adversário, pronta a disparar qualquer prova irrefutável sobre a falsidade de teorias científicas. Escolheu como alvo a teoria evolucionista (escolha infeliz). Mostrou-me um livro com algumas passagens de cientistas famosos em que os próprios supostamente afirmavam ter dúvidas sobre a evolução. Essas passagens afirmavam apenas a existência de poucos fósseis e o recurso à imaginação dos artistas que desenhavam os "homens-macaco". Tentei dizer-lhe que isso não refutava o evolucionismo.
Mostraram como a Bíblia profetizava também coisas para a nossa época. Eu continuava sempre a ouvi-las e ia defendendo-me. Deixei-as ficar o tempo que quisessem, para ver se se iam embora de livre vontade. E foram. Mas, a mais nova prometeu voltar com um livro especificamente sobre a origem da vida e o evolucionismo.
Entretanto já voltou e deixou-me o livro sem compromissos. Não acrescentou mais nada à conversa. Não era preciso. Para ela aquele livro é a arma secreta e mortal capaz de tirar as dúvidas a qualquer descrente, capaz mesmo de o converter. Disse só que voltava.
Pois é. Estas duas senhoras até estavam bem preparadas. Mas sobre ciência foram infelizes, pois nem uma única vez conseguiram ir realmente aos limites, aos mui frágeis alicerces da ciência. Não me perguntaram qual era a origem da vida, não me perguntaram o que havia antes do big-bang, não me perguntaram porque é que as leis físicas são como são e porque é que existem...etc, etc. O conhecimento científico é mesmo uma coisinha pequenina. O mais fácil é pôr perguntas às quais ele não responde. Mas é super valioso, pois as respostas que dá são as melhores que a humanidade alguma vez deu.
E o que aquelas senhoras não devem saber ou não conseguem compreender é que há pessoas a quem basta esse minúsculo tesouro para viverem felizes, sem qualquer angústia existencial, sem qualquer necessidade de ir a outro lado buscar "respostas". Pessoas perfeitamente satisfeitas por saberem que o sentido da vida é ela não ter sentido nenhum, que se sentem confortáveis apenas com as leis das probabilidades e acaso. Se isto tudo tivesse sentido era horrível, pois uma qualquer ideia é sempre discutível e passível de desacordo. Assim, postos aqui "porque sim", nós todos poderíamos estar de acordo, sem haver, nesse campo, motivo para violentas discussões. É a "decisão" mais inteligente.
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