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Friday, May 07, 2004

"Que bonita que ela é!"

"Um belo dia de primavera em Paris. Num café, um homem saboreia uma cerveja enquanto lê um jornal. Na mesa ao lado, uma mulher bebe o seu café vendo deambular os peões. De repente os seus olhares cruzam-se. Desencadeia-se, então uma série de acontecimentos. A luz do Sol, reflectida pelo corpo da mulher, penetra nos olhos do homem. Viajando à velocidade de 300.000 km/s, 10 biliões de fotões precipitam-se a cada segundo para cada uma das suas pupilas, atravessando, primeiro, um corpo oval chamado cristalino, depois uma substância transparente e gelatinosa, antes de chegarem à retina.
Na retina entram em acção 100 milhões de células em forma de cone. Algumas recebem uma grande quantidade de luz, aquela que provém das zonas brilhantes do corpo da mulher, como os seus lábios húmidos sublinhados por um brilhante baton vermelho. Outras recebem menos luz, aquela que provém de zonas mais sombrias do corpo da mulher. As células da retina são compostas por inumeráveis moléculas (compostas por 20 átomos de carbono, 28 de hidrogénio e 2 de oxigénio). Estas moléculas registam a luz efectuando uma espécie de estranha dança. Cada moilécula da retina está em repouso até ser activada pela luz. Aí faz uma proteína ligada a ela desenrugar-se, separando-se dela. Depois a proteína volta a enrugar, esperando pela chegada da partícula de luz seguinte.
Todos estes acontecimentos duram menos de um milésimo de segundo, desde que o olhar do homem pousou sobre o da mulher. Neste momento o homem ainda não está consciente do que está vendo. Ainda falta os neurónios entrarem em cena.
A dança das moléculas da retina vai pôr em movimento os neurónios, primeiro nos olhos, depois no cérebro. As moléculas que se encontram à superfície dos neurónios mudam de forma, bloqueando o fluxo de iões de sódio no líquido que as rodeia, e provocando uma corrente eléctrica que se propaga, de neurónio em neurónio, desde o olho até ao cérebro (..............) Ao fim de alguns milésimos de segundo a imagem é reconstruída no cérebro do homem. Finalmente ele vê a mulher. Repara nos seus cabelos louros curtos, nos seus grandes olhos azuis e no fato castanho escuro que lhe molda o corpo, na cabeça ligeiramente inclinada que lhe dá um ar sonhador.
Todos estes processos são, como se viu, bem conhecidos. Os progressos da neurobiologia revelam todos os dias novos segredos do cérebro. Mas o que ainda não foi compreendido é o processo que faz nascer o pensamento que atravessa o espírito do homem como um relâmpago: "Que bonita que ela é!"

Trinh Xuan Thuan "O caos e a harmonia" (adaptado)

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